Foi “no anno de 1704, com pouca differença, morando sobre o Rº. das mortes desta parte, aonde hoje he, e foy sempre o porto da passage, Ant. Garcia da Cunha Taubatiano, que por morte do d.º Thome Portos Portes, seo sogro, socedeo em Guarda mor para a repartição das terras mineraes, assistia na sua vesinhança um Lourenço da Costa, natural de S. Paulo, que servia ao d.º Antonio Garcia de seo escrivão das datas: este descobrio o Rib.º que corre por detraz dos morros desta V.ª de S. João para a parte do Noroeste, e foy repartido entre varias pessoas com o nome de S. Francisco Xavier, e tem dado e da ainda hoje ouro, e não so no principio do seu descobrimento mas em alguns annos despois se lhe acharão em alguãs parages pintas ricas.” Assim está no manuscrito que o capitão José Matoll enviou ao padre Diogo Soares, cujo original encontra-se em Portugal, na Biblioteca Pública de Évora (códice CXVI, 1-15, fls. 147 a 152). Com o descobrimento do ouro estava iniciado o Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar, núcleo populacional cujos 312 anos já se completaram. Vale dizer que arraial é o embrião d’uma vila, é lugarejo de caráter provisório, temporário, lugar simples que reúne poucas casas habitadas.
No “Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil sete centos e treze annos, aos oito dias do mez de dezembro do dito anno neste Arraial do Rio das Mortes, onde veiu por ordem de Sua Majestade, que Deus Guarde, Dom Braz Balthazar da Silveira, Mestre de Campo General dos seus exércitos, Governador e Capitão Geral da Cidade de São Paulo, e Minas, para effeito de levantar Villa o dito Arraial; e logo em virtude da dita Ordem, que ao pé deste Auto vai registrada, o criou em Villa com todas as solenidades necessárias, levantando o Pelourinho no lugar, que escolheu para a dita Villa a contento, e com aprovação dos moradores della, a saber na xapada do morro que fica da outra parte do córrego para a parte da Nascente do dito Arraial, por ser o citio mais capaz e conveniente para se continuar a dita Villa, a qual elle dito Mestre de Campo General, e Governador e Capitão General appelidou com o nome São João del’Rey, e mandou , que com este título fosse de todo nomiado em memória de El Rey Nosso Senhor por ser a primeira Villa que nestas Minas elle dito Governador e Capitão General levanta assistindo a esta nova erécção o Dezembargador Gonçalo de Freitas Baracho, como Menistro do dito Senhor que se acha Ouvidor Geral desta dita Villa, como tão bem assistido toda a nobreza, e Povo della, e se levantou com effeito o dito Pelourinho, e ouve elle dito Governador e Capitão General por erecta a dita Villa, creando nela os Officiaes necessários, assim os Milicias, como de Justiça conducentes ao bom regimen della, e mandou se procedesse a elleição dos pelouros para os Officiaes da Camara na forma da Ley, e de tudo mandou fazer este Auto que assignou com o dito Dezembargador, Ouvidor Geral, e eu Miguel Machado de Avelar Escrivão da Ouvidoria Geral que o escrevy – Dom Braz Balthazar da Silveira – Gonçalo de Freitas Baracho.” Está aqui transcrito o Auto de Levantamento da Vila de São João del-Rei, cujo original infelizmente não sabemos onde está. Interessante notar que já no ano seguinte, por carta de 6 de abril de 1714, a Vila de São João foi distinguida como sede da Comarca do Rio das Mortes. Completam-se então, neste 08 de dezembro de 2016, os 303 anos de Elevação de São João del-Rei a Vila. Uma vila, no período colonial, tinha o mais ou menos o mesmo status das atuais cidades: possuía autonomia político-administrativa, câmara, cobrava impostos, baixava “posturas”, recebia um “juiz de fora”, erigia o pelourinho e a cadeia pública.
Em 6 de março de 1838, juntamente com a Vila Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará (Sabará), Diamantina e Vila do Príncipe (Serro), a então Villa de São João del-Rei adquiriu a categoria de cidade através da Lei nº 93, assinada pelo então presidente da província de Minas Gerais José Cezario de Miranda Ribeiro, o Visconde de Uberaba. Então, ano que vem, em 6 de março de 2017, completaremos os 179 anos de Elevação a Cidade (título eminentemente honorífico que distinguiu uma aglomeração que já era importante numa área geográfica circunscrita, com muitas casas de morada e/ou destinadas às atividades culturais, administrativas, mercantis, industriais, financeiras e outras).
Então, primeiro foi o ouro abundante por aqui que despertou sonhos de riqueza; se não fosse malogrado, o movimento conjuratório mineiro planejava fixar na terra de Joaquim José da Silva Xavier a futura capital de Minas. Depois vieram a agropecuária e o comércio que fizeram com que a cidade não sofresse muito o declínio da produção aurífera. Veio a EFOM, chegou a tecelagem e outros empreendimentos continuaram a impulsionar a economia local. A Assembleia Constituinte Mineira cogitou instalar aqui a capital das Alterosas, indicação que depois recaiu sobre o Curral del-Rei. Esta urbe soube cultivar a musicalidade desde os primórdios e o toque dos sinos gerou para nós o epíteto “a terra onde os sinos falam”. Aqui está sediado o histórico Regimento Tiradentes e a UFSJ. A peculiaridade arquitetônica são-joanense é destaque em face da sua evolução que oscila entre o barroco, o colonial, o eclético e o moderno. Aqui foi a terra que viu nascer Tancredo de Almeida Neves, principal condutor da redemocratização do país. Assim, diante destes e de tantos outros fatos importantes, ante um povo formidável, eu desejo que nos próximos anos a cidade não continue “paralítica no sol espiando a sombra dos emboabas no encantamento das alfaias”, como escreveu Carlos Drummond de Andrade. A esperança é de que a terra rica em patrimônio material e imaterial reencontre-se consigo mesma e que possa dar os necessários lastros ativos e proativos aos brados de alguém que assim se manifestou: “Acorda-te, “Briosa e Fiel” cidade e faze-te presente no lugar que é teu por destinação histórica e sê dele eterno apanágio! Engalana-te, “Formosa Odalisca” e preserva, na faceirice de teus encantos, a doçura de tua paisagem, e sê dela ciumenta guardiã! Levanta-te, “Princesa do Oeste”, e revê no dourado do teu pôr-de-sol os trezentos anos de passada história, e sê digna de sua grandeza! Ilumina-te, “Cidade Luz”, e antevê no rosiclear de tuas madrugadas a aurora de mais um século de futuras conquistas, e sê delas merecedora! Refulge-te, “Atenas de Minas”, e vê no zênite deste dia a radiosa promessa de tua juventude estudantil, e sê receptiva da homenagem que ela te agora te tributa nas palmas que oferece! Viva São João del-Rei!…”.
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